segunda-feira, 25 de abril de 2011

AINDA TEMOS MEDO DE FALAR 37 ANOS DEPOIS DO 25 DE ABRIL ?

"-37 anos depois do 25 de Abril Ainda temos medo de falar ?"
Esta pergunta vem hoje no jornal Público. Fiquei a pensar nela e penso que, nos da minha geração, esse medo enquistou e ainda existe. Assim respondo :
- Medo ? Talvez  não seja o termo exacto. Mas ,um certo receio... Uma desconfiança...Sim .
.......................................................................
Recordo uma história , absolutamente verídica , em que participámos há muitos anos e que nos vai levar ao medo, à desconfiança ( ou falta de confiança ), que nos dominava antes do 25 de Abril.
De 1963 a 1965 estivemos em Nampula / Moçambique. Marido em missão militar ( guerra colonial ), nós leccionando no Liceu Almirante Gago Coutinho e na Escola Técnica Neutal de Abreu. Residiamos na messe dos oficiais  onde , embora o ambiente fosse agradável , havia uma certa desconfiança entre os oficiais de carreira e  os milicianos ( abrangendo as respectivas mulheres ). Conservadores / progressistas? Pró / Contra a guerra colonial?
Rapidamente se formaram grupos que conviviam , apesar de tudo, em clima de simpatia. Troca de ideias, reuniões, cine clube -onde eram exibidos filmes oriundos da África do Sul e proibidos em Portugal - , palestras ....uma vida cultural intensa e interessante.
Recordo com grande saúdade o médico da terra Pedro Cortesão Casimiro e a Pitty , sua mulher( figuras representativas da oposição ao regime (  receberam-nos de braços abertos devido  a leccionarmos os filhos no liceu) , o médico militar Ciborro Maia  e  mulher (ele já anteriormente detido pela PIDE ) , Pedro Adolfo Coelho...Enfim , formou-se um grupo que diariamente se reunia e que tinha como dominador comum ,a repulsa pela guerra colonial.
Até que um dia :
Aqui começa, verdadeiramente, esta história.
Até que um dia - no segundo ano da nossa estadia e tendo já começado a luta armada no Norte, apareceu na Escola Técnica um novo professor , vindo da metrópole , sem horário ( as aulas já tinham começado, não havendo portanto tempos livres ) e que tinha absolutamente de ser colocado. - Que fazer?
A solução encontrada pelo director, foi tirar horas aos que tinham horários completos ( o que abrangeu a saída duma professora , - segundo se disse - a menos classificada ). Enfim. Grande celeuma ...Injustiça? Quem tem dúvidas? 
O recém chegado  em breve se tornou íntimo da facção intelectual da terra e , sem darmos por isso, ei-lo no nosso grupo. Rafael Cardoso era o seu nome.
Bem falante. Muito culto. Com ideais democráticos consistentes a todos se impôs rapidamente.
A todos ?
-" Que estranho! Tu, que gostas de toda a gente não gostas do Rafael? Porquê?"
-" Porque respondeu  dum modo tão desagradável ao Rafael , quando ele só a queria ajudar no cine clube ?"
- "Afinal o que se passa com o Rafael? O que tem contra ele ? Qual a razão de tão grande antipatia ?"
- Detesto o Rafael. Detesto o modo como ele apareceu, tirando o trabalho à nossa colega. Detesto a sua vaidade. Não me quero relacionar com ele. ACABOU.
....................................................................................
O nossa comissão terminou . Regressámos à Pátria. Perdemos os amigos de vista. Os Maias foram viver para Paris . A Pitty passou a pertencer à Frélimo. Perderam-se os contactos.
..............................................................................
Veio o 25 de Abril.
Os nossos amigos Ciborro Maia regressaram de Paris . Visitaram-nos. Então ele disse :
-Lembram-se do Rafael Cardoso?
Esteve connosco em Paris.
A nossa amiga tinha razão em não gostar dele.
ERA UM PODEROSO AGENTE DA PIDE.
Foi para Nampula para nos vigiar. Era a sua missão.

1 comentário:

Anónimo disse...

O sexto sentido do feminino, não é verdade? Aconteceu comigo algo aparecido, com uma pessoa que viveu em minha casa, era da PIDE, os meus pais diziam: pões as pessoas de parte, vá se lá saber porquê , mas eu é que tive razão. Apanhei alguns sustos, mas dizia e fazia coisas que me poderia sair caro, nunca calhou não passar por situações graves felizmente. Depois do 25 de Abril foi e é a alegria, dou muito valor em ser livre, nunca me calei, nem calo, dentro da correcção que devo ter. Era destemida porque me calar agora? No emprego cumpri sempre, para a minha maneira de ser não fosse o motivo de sair prejudicada nos cursos e concursos e não fui. Não sou apreciadora das pessoas que se calam ou sufocam o que lhes vai na alma. Há uma coisa que temos de fazer é cumprir e isso é o dever de quem trabalha. Linda