domingo, 13 de dezembro de 2009

ANIVERSÁRIO / FERNANDO PESSOA / ÁLVARO DE CAMPOS


No tempo em que festejavam  o dia dos meus anos
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa como uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente por entre  a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças,
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

 Sim, o que fui de suposto de mim mesmo,
 O que fui de coração e parentesco,
 O que fui de serão de meia-província,
 O que fui de amarem-me e eu ser menino,
 O que fui - ai, meu Deus!, o que só  hoje sei que fui.
 A que distância!...
 (Nem o acho...)
 O tempo em que festejavam o dia dos meus anos.

 O  que eu sou hoje  é como humidade ao fim da casa
 Pondo grelado nas paredes...
 O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas)
 O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
 É terem  morrido todos,
 É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio.

 No tempo em que festejavam o dia dos meus anos
 Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
 Desejo físico de se encontrar ali outra vez.
 Para uma viagem metafísica e carnal,
 Como uma dualidade de eu para mim...
 Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

 Vejo tudo ,outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
 A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos nas loiças e nos copos,
 O aparador com muitas coisas- doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
 As tias velhas, as primas diferentes ..e tudo por minha causa,
 No tempo em que festejavam  o dia dos meus anos.

 Pára, meu coração!
 Não penses! Deixa  o pensar na cabeça.     
 Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
 Hoje já não faço anos.
 Duro.
 Somam-se-me os dias.
 Serei velho quando o for.
 Mais nada.
 Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira.
 O tempo  em que feste javam  o dia dos meus anos.

15/10/1929        Fernando Pessoa / Álvaro de Campos

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